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quarta-feira, 27 de maio de 2015

A lógica Democrática

Nas ditaduras conclui-se mas não se discute.
Nas demo-crácias discute-se e não se conclui. 
Nas Democracias  dialoga-se e conclui-se.

Demo-cracia é o governo pelos demos. O que era um demo?
Era uma divisão territorial que participava no governo colectivo. Cada pessoa tinha um placa de identificação (Pinakion) com o nome, o nome do pai e o demo a que pertencia e, com isso, participava na res publica.

Pinakion de Demophanes, seu pai Phi (primeiras letras do nome) e seu demo Kephesia:


Assim, democracia é o governo pelos demos e os demos eram pessoas pertencentes a uma divisão territorial, pelo que a democracia seria o governo das pessoas sobre o seu conjunto.

Para as pessoas poderem participar, teria que ser de um modo relacional e natural, acessível a todos. Surge assim a conversa como o alicerce da democracia, pelo que o diálogo era a ferramenta democrática por excelência. 

Segundo Peter M. Senge [The fifth discipline], para os gregos, dia-logos significava [...o livre fluir de significados através de um grupo...para descobrir o que gostavam e que não seria obtido individualmente nem esperavam obter]. 

Na época, havia grupos de opinião mas não existiam fragmentações oficiais em pedaços, hoje chamados partidos, a condicionar o livre fluir das opiniões e dos diálogos. 
A democracia era directa, sem representantes. O slogan poderia ser "Todos dialogavam, todos votavam".

Ainda segundo P. Senge [MIT and Sol,  Abr. 1999], um antigo filósofo grego afirmou que [...quando a votação começa, a Democracia termina], significando assim que a essência da Democracia é o diálogo, a votação é um seu sub-produto.

No séc. XVIII (Revolução Francesa, 1789) e séc. XIX, com o estremecer e o cair das oligarquias familiares, conhecidas como  monarquias,  foi criado e difundido o "Westminster system" que formatou um modelo para a futura democracia e introduziu a técnica governo versus oposição. Com a sua difusão, ele foi adoptado universalmente como "O" sistema democrático e chamado "democracia de representantes".

Na prática, o novo sistema alterou a origem da oligarquia, substituindo a oligarquia de famílias (rei e aristocracia) pela oligarquia de eleitos (presidente e deputados).

Este critério permitiu separar as pessoas da sociedade em dois grupos, "people" (gente) que vota e "persons" (pessoas) que discutem, isto é, o governo e a oposição. 

Deste modo, a versão teórica de "Democracia do povo pelo povo para o povo" tem a versão prática de  "Democracia do povo (gente) pelos representantes do povo (pessoas)... mas para quem?" Para o povo ou para os representantes do povo (oligarquia de eleitos e seus suportes)? Resolver esta questão é hoje um dos principais bugs da Democracia.

Fazendo a separação gente-pessoas por uma lógica de peneira chamada votação, a nova oligarquia estava pronta a funcionar:



Enquanto que na Democracia grega o diálogo era o fundamental e a votação era um sub-produto necessário, agora a votação é o fundamental e o diálogo é um mal necessário a minimizar (consulte-se técnicas de marketing político).

Nos princípios do séc XXI, fala-se oficiosamente no conceito de "sociedade civil". Sobre este conceito, admitindo que não é contraponto à sociedade militar, surge a questão principal, "O que é a sociedade civil?"o que arrrasta outras questões adjacentes:

- Se não é eleito, porque é que depois das eleições fica a fazer parte da sociedade civil?
- O que é que perde, ou o que é que ganha, para ficar assim classificado?
- Qual é a diferença democrática entre sociedade civil e não-civil? Como se definem?
- Quais as diferenças sociológicas entre civil e não-civil: estatuto, direitos e deveres, imunidades e impunidades,  interesses oligárquicos ou não, oportunidades de negócios e carreiras, benesses, usufruto de recursos públicos, etc?


Oligarquia de eleitos

Qual a lógica da democracia dentro da oligarquia dos eleitos? Como é que funciona?


Sócrates, Platão e Aristóteles ensinaram que a verdade se obtém peneirando os erros.

Com este método, dois interlocutores em busca da verdade praticam um permanente jogo, do tipo Juiz-Réu onde, alternadamente, trocam de papéis. Tudo se resume a uma autêntica caça aos erros pelo contra-argumento versus argumento, na esperança de que, deste modo, a verdade escondida venha à superfície.

As regras deste jogo são muito simples. A única acção a fazer é demonstrar que o outro está errado, procurando sempre argumentar contra qualquer afirmação sua. Por este peneirar sucessivo, chegar-se-á a um ponto em que não há mais argumentos contra, o trigo estará separado do joio e a verdade fica à superficie.

Cria-se, assim, um sistema adversário, onde se entrechocam factos a favor e factos contra, numa luta por vitória, em que cada um procura ser melhor e derrotar o outro. Espera-se que o choque da tese e da anti-tese faça nascer a verdade.

Porém, uma boa crítica impede uma má proposta mas não constrói uma boa proposta. A mezinha da Oposição, incluída no Westminster system, poderá impedir o errado mas não constrói o correcto:

[...with an ability to dismiss a government by "withholding (or blocking) Supply" (rejecting a budget), passing a motion of no confidence, or defeating a confidence motion. The Westminster system enables a government to be defeated or forced into a general election independently.]


Regressando à democracia grega, esta valorizava o Diálogo para construir soluções e não a Oposição para impedir erros. Estes dois processos não usam a mesma metodologia. O primeiro usa o sistema adversário baseado na oposição, o segundo usa o sistema colaboração, baseado no diálogo.



Assim, a acção crítica de eliminação de erros deve ser sempre entendida e usada como um meio para potenciar a colaboração e não para impedi-la.

Na luta Democrática, por estrangulamento de perspectiva, cada participante, agora chamado "militante", concentra-se apenas na posição anti, opondo-se e destruindo tudo o que considera erro, numa tentativa constante de depurar a verdade escondida. Como consequência, esquece-se de descobrir os aspectos bons da proposta do outro e apoiá-los para pesquisa de novas soluções.

Mediante regras bem definidas, cada bloco homogéneo de soluções pré-adoptadas (partido) ataca com “factos contra” qualquer proposta feita por outro bloco homogeneizado  (outros partidos), numa lógica de perseguição mútua.

Deste modo, o sistema adversário torna-se cada vez mais rígido e cristalizado e cada vez mais afastado da colaboração necessária à construção de uma nova solução.




Conclusão



Neste sistema de luta entre Governo e Oposição, manejam-se argumentos e contra-argumentos num diálogo democrático feito de incriminações e, quanto mais houver, e mais antigas forem, melhor será pois provam que o outro não é digno de confiança. 



Nesta Democracia tipo circo romano, vive-se o dogma de que o lutador que melhor destrua as soluções dos outros será também aquele que melhor construirá as próprias soluções. Raciocínio interessante, se pensarmos que um bom lenhador a cortar árvores é bem diferente de um bom agricultor a fazê-las crescer.

O resultado prático desta dinâmica é a chamada alternância democrática, pela troca de posições:

A Oposição (que se opunha) passa a Governo e apresenta propostas. 
O Governo (que fazia propostas) passa a Oposição e opõe-se. 

Deste modo, o slogan da alternância democrática  é:

MORREU A LUTA!!!!
VIVA A LUTA!!!!


Actualmente, com as Redes Sociais, o Diálogo retoma a sua preponderância na participação democrática, devendo todavia libertar-se do "vírus" da luta e da competição, e readquirir a perpectiva de construção colectiva

Na continuação deste post, interessará saber, nesta lógica, QUEM SÃO OS ACTORES.


LINK para aprofundar a cultura de luta ou não luta
LINKs para aprofundar pensar colectivo  e Scenius


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Indice do Blog
(com links para os posts já publicados)

No princípio era o caos

A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia


terça-feira, 19 de maio de 2015

A luta Democrática - um circo romano


A base da "colaboração democrática" é a luta entre o Governo e a Oposição, e a Democracia vive do confronto entre defender e atacar uma proposta. 

Assim, não tem lógica democrática o Governo e a Oposição estarem de acordo pois, se há acordo, não há Oposição e a Democracia não funciona sem Oposição.

Num exemplo, a Oposição nunca poderia afirmar:


— O Governo criou emprego, baixou a inflação, melhorou o ensino, fez boas reformas, portanto, demitam-no e votem em nós!!!!



O conceito de "oposição" é opor-se. Não o fazer é perder a sua essência. Uma Oposição sem oposição não tem qualquer sentido.

No dia em que um deles colaborar, passa a pertencer ao "adversário", impedindo a Democracia de funcionar. Um militante que colabore com o partido "adversário" será censurado ou demitido.

Nesta perspectiva, quando se afirma que se colabora democraticamente significa que se vai lutar democraticamente. 

A Democracia é um circo romano

Este ponto de vista origina que o máximo da competência democrática estará em efectuar boas lutas democráticas e, quem o faz com eficácia, recebe palmas e ganha votos:

USA - Luta pela Presidência com espectadores a assistir

Em termos lógicos, o máximo de uma luta é a aniquilação do adversário, logo a Democracia vive de um bug, de um dilema democrático que é... quanto mais destruo o outro, mais colaboro democraticamente com ele.

Então, esta pretensa "colaboração democráticaa que se reduz? Reduz-se ao mero cumprimento de regras de jogo formais.

A máscara das regras a esconder a luta das acções

Qualquer luta é uma competição. Uma competição é um misto de colaboração e de anti-colaboração. Quer isto dizer que a competição precisa da colaboração mínima na aceitação de regras. Por exemplo, no futebol, o árbitro é o garante dessa colaboração mínima, a partir da qual não há mais colaboração possível, pois não se pode ajudar o "adversário" a jogar melhor.

Na competição, infringir as regras estabelecidas é "fazer batota" mas há uma pequenina diferença entre "ser dentro das regras", cumprindo o estabelecido, e "não ser dentro das regras" mas fazer o que não é proibido legalmente.

Este espaço lógico, zona cinzenta de possibilidades, origina um equilíbrio nebuloso entre  acções legais e acções não-ilegais, por exemplo, com actos não-ilegais mas não legalizados. 
Este bug é a porta aberta para as "fraudes não-ilegais" e para as "decisões legais e ilegitimas", potencialidades do mundo cinzento onde vivem os "predadores da Democracia".

Bullying na TV: legal ou não-ilegal?

Em conclusão, em Democracia, se o Governo ou a Oposição melhorassem as propostas mútuas, a alternância democrática (alicerce do modelo) seria enfraquecida na sua regra base em que [...os erros do outro são o sal da alternância].

Este bug da Democracia é um jogo de PERDE-PERDE, pois as consequências da luta democrática afectam a comunidade. Neste processo, o chamado vencedor tem a sua comunidade tão prejudicada como o perdedor, apenas ficará com o bonus de ser GOVERNO. É a chamada estratégia militar da "terra queimada".

No próximo post, discute-se este funcionamento aparentemente ilógico que tem a sustentá-lo uma lógica bem definida, a chamada LÓGICA DA PENEIRA.

Link para aprofundar os conceitos de colaboração/competição


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Indice do Blog
(com links para os posts já publicados)

Temporada 1 - Problemas
Votação democrática: tem a certeza?
No princípio era o caos

A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia