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terça-feira, 23 de junho de 2015

...e a sociedade? O bug dos grandes grupos

Enquadramento

Um indivíduo isolado não faz democracia. A Democracia exige indivíduos com conexões entre si no formato "todos a todos", isto é, que constituam um grupo. O aumento de indivíduos por grupo aumenta exponencialmente a complexidade das relações possíveis. 

Quantidade de pessoas e relações no grupo
A Democracia política abrange grupos de milhares e milhões de indivíduos comunicando entre si, portanto a sua qualidade depende directamente do valor da sua estrutura comunicativa e esta depende directamente da época, da sociedade em que existe e dos instrumentos comunicativos disponíveis.

Assim, funcionarão hoje  os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas: 
√ Há alternativas?; 
√ Há efeitos perversos?; 
√ É rentável?


O bug do grandes grupos

A Democracia é um fenómeno curioso pois, apesar de ser feita por pessoas, baseia-se em grupos.  Grupo são pessoas que, em conjunto, criam uma entidade com propriedades que não existem nas pessoas que formam esse grupo.

O ser humano está programado para ser social e para viver em sociedade, mas os modelos sociais têm evoluído oscilando entre facilitar ou impedir grupos e restringir ou promover o individuo isolado.

Assim, o caminho a percorrer neste post será:

1- Aptidão natural das pessoas para a vida social;
2- Modelos culturais de perspectivar a democracia;
3- Modelos disponíveis de funcionamento;
4- O dilema dos grandes grupos;
5- Modelo herdado do século XIX.


1 - Aptidão natural para a vida social

O ser humano tem sensibilidade instalada para perceber e utilizar nuances, significativas mas subtis, nas relações sociais.
Exemplo de conexões grupais de significados diferentes e que todos percebem:

√ Os amigos do filho da minha mulher;
√ Os amigos da mulher do meu filho;
√ Os amigos dos meus filhos e dos da minha mulher;
√ Os amigos da minha mulher e do meu filho;
√ Os amigos do filho da mulher do meu filho;
√ etc.

Isto significa que a vida grupal tem grande complexidade e exige grande "inteligência e intuição social" e que o ser humano está naturalmente programado para isso. 

Como analogia pode referir-se que [...o ser humano está para a sociedade do mesmo modo que o peixe está para a água...] ou seja, ambos não sobrevivem fora do contexto.

Como exemplo, as prisões baseiam-se nessa exclusão que ainda pode ser agudizada com o isolamento na solitária e os disfuncionamentos psicológicos consequentes. 
Paradoxalmente, as prisões com seu funcionamento anti-grupo são locais em que as teias grupais se intensificam, chegando as conexões lá criadas a subsistir no pós-prisão.

Na prática, a geração espontânea de grupos humanos é um processo natural com um activismo e uma facilitação com "razões que a razão desconhece".


2 - Modelos culturais de perspectivar a democracia

Sociologicamente, pessoas juntas podem ser uma "classe lógica" (operários, burgueses, estudantes, peões, automobilistas,...) mas não são necessariamente um grupo. É condição necessária mas não é suficiente.
Para serem grupo as pessoas, apesar de estarem em contacto precisam ter, em conjunto, uma transformação criadora de novas propriedades. Esta transformação é a chave para o nascimento do grupo.

O marketing comercial trabalha com perfis psicológicos de classes lógicas e o marketing político trabalha com perfis grupais.
Por exemplo, campanhas comerciais para vender sabonete LAVABEM não são iguais às campanhas políticas para eleger, como 1º Ministro, o Dr. Lavabem .
É fácil às campanhas políticas do dr. Lavabem provocarem, nas ruas, grupos a manifestar-se a seu favor e a aplaudir quando ganha ou a chorar quando perde, mas nunca vi campanhas comerciais causarem aglomerações de pessoas a favor do sabonete LAVABEM e a chorar ou festejar se não os há ou já há nos supermercados.

A mobilização política é expressão de uma energização grupal e a mobilização comercial é expressão de pró-activismo individual.

Como resumo, a Democracia é um fenómeno grupal mas é entendida como um conjunto de fenómenos individuais, originando diagnósticos e soluções disfuncionais produtores de bugs anti-democráticos. 


3 - Modelos disponíveis de funcionamento

Um indivíduo isolado não faz democracia, a Democracia nasce, existe e desenvolve-se nos grupos de uma sociedade.

Pelo contrário a Ditadura vive de impedir e destruir grupos a favor de indivíduos isolados.
Quando a ditadura precisa do esforço conjunto de várias pessoas, os modelos de gestão utilizados são do tipo "todos dependentes de um e isolados entre si" e quadriculados em hierarquias autoritárias. Numa palavra, é anti-democracia um funcionamento.

Na verdade, a essência da Democracia são relações grupais cujo factor crítico de sucesso é a "conversa" numa rede intrincada de "feed & feedback" e em que a sua intensificação potencia a democracia e a sua fragilidade enfraquece-a.
Tradicionalmente, o instrumento político utilizado para realizar e garantir o funcionamento democrático são grupos chamados PARTIDOS.

Porém, a aparente simplicidade deste instrumento escamoteia a sua complexidade e esconde os bugs que dele apanham boleia e se instalam. A inoperacionalidade da Democracia é apenas o sintoma de bugs e outros microbios a consumi-la sem "antibióticos" adequados.


4 - O dilema dos grandes grupos

O problema central dos partidos é a gestão de grupos alargados e os necessários recursos organizacionais para garantir o esforço conjunto.

A essência de um grupo é a "conversa", fenómeno experiencial de tipo face-a-face, inclui "sentir, ver, pensar, fazer" numa rede de múltiplos "feed & feedback" por espaço de tempo. Provoca transformações nas relações sociais e transmutações nas pessoas.

Numa analogia com a Física, à semelhança da Água "criada" com Energia, Oxigénio, Hidrogénio, também a criação de um grupo acontece quando a conversa (energia) origina que os átomos "pessoa" (i.é., O e H) criem a molécula "grupo" (i.é., H2O).
Num esquema de D. Kolb:

Estas acções são construídas com recursos individuais e grupais e produzem benefícios para o indivíduo e para o grupo.

Assim nasce o dilema:

√ Com grupos pequenos (2 a 4 pessoas), o consumo de recursos é pequeno e o beneficio é grande. O custo benefício é gratificante.

√ Com grupos grandes (2.000 pessoas), o consumo de recursos é também grande e, além disso, são precisos ainda mais recursos para gerir a organização (custos organizacionais). Deste modo, parte da disponibilidade dos recursos existentes é consumida a garantir os próprios recursos, num processo de autofagia que reduz benefícios.

Este dilema está visível nos grupos políticos pois, com centenas de milhares de participantes, têm os problemas dos grupos grandes.

Para gerir este dilema, os grupos políticos formam-se a partir de crenças, possibilitando uma pré-sintonia simbólica que os distingue e os separa dos restantes. Criam-se os PARTIDOS.
No seu interior, apesar da pré-sintonia, as "conversas de todos com todos" são difíceis, ineficientes e confusas pelo que se opta por partir em grupos mais pequenos por sub-crenças, sensibilidades internas, correntes de opinião, "históricos" e recentes, lobbies, etc. A fragmentação é a regra.

A maior parte dos recursos (tempo, esforços, comunicação) são consumidos na gestão interna desta fragmentação e os benefícios pretendidos, isto é, a razão da pertença ao grupo, passam para segundo plano. Ser o primeiro dos que estão no tabuleiro político passa a ser o fundamental. As prioridades alteram-se, os meios e os fins sofrem uma inversão.

Esta evolução e este resultado não são uma questão de Moral ou de Ética.

Apesar de se imiscuirem predadores freelancers à procura de lucro, a anomalia é funcional e não Moral ou Ética. É uma consequência inerente aos bugs transportados com o modelo em uso.
Não é uma questão de pessoas é uma questão de estrutura adaptada às condições do século XIX e não às condições actuais (2015). A correcção não é uma questão de revolução, é uma questão de evolução.

Nesta perspectiva, discursos morais ou legalistas, populistas ou de crenças, tradicionais ou modernaços, não trazem lucidez ao problema e suas soluções.

Enquanto não mudar o modelo estrutural de funcionamento, tudo continua com seus bugs, regalias desequilibradas, fraudes, lobbies, violência gratuita, incompetências, subornos, negócios escusos... e com correcções pontuais, eventualmenete correctas, mas que no global são apenas acções de marketing. Prisões, julgamentos, catarsis na "praça pública", esperança em eleições... funcionam como válvulas de escape a criar "terapia social" antes de "acalmar" e esquecer, tipo analgésico que melhora momentaneamente mas não cura. 


5 - Modelo herdado do século XIX

Para sua própria sobrevivência, as "estruturas internas de gestão" de grandes grupos canibalizam-nos utilizando os seus benefícios em seu próprio proveito.

Este fenómeno tem sido objecto de diversas críticas e tentativas de solução, com muitas notícias nos mass media com demissões, afastamentos, julgamentos e prisões de altos dignatários políticos e partidários em diversos países. As causas são diversas, desde suborno a fraudes económicas e financeiras, ilegalidades, branqueamento de dinheiros, negócios "debaixo da mesa", etc. 

O fenómeno é geral e tem grande diversidade pois aparece igualmente quer em partidos de esquerda, direita, centro, trabalhistas, liberais, conservadores, revolucionários, marxistas, socialistas, religiosos, ateus, etc, quer ainda em empresas e ONG's com missões de lucro, sindicais, caridade, religião, auxilio, artísticas, etc.

Em síntese, o problema é o sub-grupo "gestores/dirigentes" instalar-se no posto de comando e servir-se dele em seu proveito, menosprezando os participantes que lhes dão validade e justificação. 

Parece ser uma maldição a perseguir o ser humano e os seus grupos. Na verdade, o problema é mais simples e nada tem de esotérico.

A essência do grupo são teias de comunicação, isto é, "conversas de todos com todos" cuja facilidade ou dificuldade dependem basicamente de dois factores: 

√ - tamanho grupal e 
√ - instrumentos comunicativos existentes em cada época.

No séc XIX a comunicação de todos com todos só era possível em grupos pequenos, pois as tecnologias comunicativas existentes não permitiam outra alternativa. Conversas de poucos no mesmo espaço tinham custos organizacionais baixos excepto quando, por excepção, obrigavam a deslocações morosas e dispendiosas com custos em tempo, esforços e dinheiro.

Os grandes grupos adoptavam como solução óbvia o estilo feudalismo. As organizações adoptavam o formato teia de aranha, com as aranhas maiores a controlarem os aranhiços mais pequenos, com rígidas demarcações de fronteiras, autoridade e representantes. Em cada núcleo pequeno, a organização era had hoc, isto é, reinventada em cada momento por "acordo tácito" e por padrões aceites.

Porém, nos USA, em 1841, dois comboios chocaram devido à fragilidade coordenativa de uma organização tipo "had hoc" e em estilo feudal. A solução de contratar mais empregados para melhorar o controlo  aumentou a insegurança pois a dificuldade de "conversas coordenativas em grupos alargados" criou outros problemas e aumentou os custos organizacionais. O problema era sério, o público e o Congresso forçavam uma solução.

David McCallum, 15 anos depois, em 1855,  apresenta o organograma como solução. Propõe uma "organização em árvore" reduzindo as  "conversas" de "todos com todos" para "um a alguns em grupos asilados" e com níveis formais "top-down" de responsabilidades definidas.

Foi um sucesso, o problema foi contido e reduziram-se os custos organizacionais. Afinal, o truque era simples, era só dificultar o pleno funcionamento de grandes grupos, destruindo-os.

Organograma
Este remédio, depois "universalmente" adoptado, trazia consigo um bug destruidor de grupos, pois as teias relacionais que uniam as pessoas eram substituídas por teias monetárias que isolam as pessoas em "celas grupais" controladas por hierarquias. Henry Ford aplaudiu.


A Democracia, cuja essência são grupos ricos de relações grupais, adoptou o modelo do organograma complementado com protocolos de representação, ou seja, dois instrumentos destinados a limitar interacções pessoais, o contrário da essência da Democracia.
Depois da experiência grega, a Democracia renascia vacinada contra o seu sucesso. Era o que a época permitia.

Com o organograma e com a representatividade, os partidos encontraram o modelo possível para fazer a gestão de grandes grupos de cidadãos com custos organizacionais suportáveis. A "conversa de muitos com muitos" (modelo grego) passou a ter a lógica da "conversa de um com muitos" (modelo comício):


Na época, criava-se a Democracia da "conversa possível".

A 1ª e 2ª Guerra Mundial e a Guerra Fria estavam em gestação, aproximava-se o confronto movimento democrático e movimento ditatorial com raizes no modelo feudal.

Hoje, 2015, olhando para a História e apesar dos bugs instalados, verifica-se que a Democracia sobreviveu, desenvolveu-se entre evoluções (Elton Mayo e outros), revoluções (Maio 68 e outras) e convulsões (Watergate e outras) e chegou ao século XXI com perspectivas de novos paradigmas para o modelo democrático.

A Democracia que temos é a Democracia Representativa com o modelo tradicional do século XIX.
Pode-se manter a Tradição mantendo a Democracia herdada, porém Tradição é o uso actual de modelos rentáveis em épocas passadas. Nesta perspectiva, um mínimo de lucidez obriga a ckeckar a sua validade independente de crenças afectivas, o que pode ser feito com base em três perguntas:

1º Ainda é rentável?
2º Tem efeitos perversos?
3º Há alternativas?

Como sou optimista, prefiro começar pela última, isto é, ver primeiro as possibilidades e depois olhar os problemas ou, como diz o ditado, "primeiro a garrafa meio-cheia e só depois meio-vazia".

A análise das respostas a estas perguntas será o tema do próximo post "...e a sociedade? A pós-tradição".


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A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

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Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Actores Democráticos

Definir os actores democráticos é simples e óbvio, são os cidadãos. Porém, a partir daqui tudo fica confuso.

Na antiga Democracia grega os cidadãos eram as pessoas que dialogavam, trocavam ideias e faziam escolhas individuais decidindo o que fazer colectivamente. Depois, encontrar a origem e responsabilidade das acções era possível e viável. 

Hoje não é assim. Tudo está "undercover" e enevoado por esconderijos em camadas. Os cidadãos concordam e protestam, numa doença chamada "paralisia de vítima e cúmplice", onde aceitam e sofrem acções que não querem mas permitem.
Ouvem-se queixas:

- A Câmara Municipal cortou-me a água.
- A EDP desligou-me a electricidade.
- A Escola expulsou o meu filho.
- O Banco não me deu o empréstimo.

Nunca vi, nem li na ficção cientifica, uma Câmara Municipal,  Empresas, Escolas, Bancos ou Ministérios a tomar decisões. Edifícios, escrituras e instituições não tomam decisões, pois são sempre pessoas, um Manuel, uma Maria, um António que lá dentro o fazem a coberto dessa máscara. 
Há sempre um cidadão que, pessoalmente, decide fazer, mesmo que seja apenas a decisão de obedecer a outrem ou ao legislado, por sua vez, feito por cidadãos que o escreveram e aplicaram.
Bem ou mal, Nuremberga baseou-se neste principio:


Numa palavra, é sempre possível encontrar a responsabilidade das acções pertencentes aos cidadãos responsáveis. O dilema, o grande bug da actual Democracia é isto ser possível mas, ao mesmo tempo, tornado improvável:

Inquérito da Assembleia da República a Eng. Zeinal Bava

O Bug não está na situação de arresponsabilidade em que um cidadão se refugia. Ele está na falta de consequências democráticas para esse facto, de modo a evitar a sua repetição no futuro.

A fragilidade democrática não se expressa no que acontece, expressa-se no que se faz ao que acontece. A regra é simples: "Se democraticamente está errado, então NÃO PODE ACONTECER OUTRA VEZ", ou seja, a Democracia tem que tomar posição. Se isso não acontece, então, há um bug Democrático, uma impunidade permissiva.

Numa agressão policial não-democrática a lógica é a mesma:


Guimarães, Maio 2015

Se a agressão foram actos incorrectos por parte de um cidadão-Polícia, a Democracia é a responsável para que isso "NÃO ACONTEÇA OUTRA VEZ". 

A Democracia tem que garantir aos cidadãos que torna inviável a sua repetição futura pois, se nada for alterado tudo se irá repetir. 
O Bug Democrático é a inexistência de garantias para o futuro, ou seja, é fundamental saber [...se, no futuro, os cidadãos desta Democracia podem levar os filhos e os avós ao futebol sem risco de agressões policiais].

O acto do cidadão-polícia é uma questão de Tribunal, os actos para evitar este problema no futuro é uma questão de Democracia.

Os Bugs democráticos não estão nos problemas que existem (fraudes bancárias, corrupção, negócios ilícitos, indignidades, etc,) estão na possibilidade de eles continuarem a existir por actos de cidadãos pertencentes à Democracia.

A razão deste Bug é simples.
Uma Democracia é um conjunto integrado de comunidade e organização. Extremando posições, se só existe comunidade sem organização surge o modelo de sociedade tipo “horda”. Como exemplo, uma multidão em fuga.

No outro extremo, se existe uma organização sem comunidade, encontra-se o modelo de sociedade “marionette”. Como exemplo, numa marcha militar os seus elementos não precisam de ser comunidade, só precisam cumprir os padrões de comportamento exigidos. Modelo preferencial das ditaduras.

As oligarquias de eleitos vivem entre os dois extremos, oscilando entre ser uma comunidade e ser um conjunto de "marionettes". Isto é, os cidadãos serão comunidade para votar os eleitos e serão marionettes para, no seu intervalo, lhes obedecerem.

Isto significa que, no actual sistema democrático, em cada cidadão há dois cidadãos distintos.

No ciclo de 4 anos (1460 dias), esta esquizofrenia existe quando um deles, o decisor democrático, existe apenas em 1% do tempo, na época das campanhas eleitorais.
O seu reverso, o obediente democrático, existe em 99% desses 4 anos, como um político fora de circulação.

Esta esquizofrenia democrática tem vindo a agudizar-se nos últimos anos e a Europa tem sido um palco muito claro dos seus sintomas. Os cidadãos europeus (a sociedade civil??) têm reagido de formas diversas contra esta situação de abulia política, existente em 99% do seu tempo de "pessoa política", recusando ser cidadãos de 2ª classe. O Bug é sério.

Segundo o sociólogo Manuel Castells, a Europa do Norte em resposta a esta esquizofrenia política potencia correntes de direita e a Europa do Sul encaminha-se para correntes de esquerda. 

O problema parece ser o mesmo, todavia, as duas soluções passam ao lado da causa pois não tocam no cerne da questão, isto é, os 99% do tempo em que o cidadão deixa de ser pessoa política e passa a ser apenas gentinha política até chegar a nova época de caça ao voto nas coutadas dos outros, pois nas suas a obediência partidária funciona... em princípio.



Porém, ao fundo deste túnel do nevoeiro democrático surge uma luz de esperança. Chama-se Redes Sociais.



Nos final do Séc XX a tecnologia trouxe a Internet e com ela a livre comunicação cidadão-cidadão, uma espécie da Ágora de Atenas e da Pnyx da democracia grega, o espaço em que os cidadãos dialogavam entre si, enriquecendo as suas decisões individuais. 

Simplesmente agora, esse diálogo existe nas Redes Sociais no cyberespaço.




A mudança é simples de definir e talvez fácil de acontecer. A votação deixa de ser o essencial e o diálogo político passa a ser o fundamental. A tecnologia vai tornar a mudança viável.



As Redes Sociais reintroduzem o cidadão como dialogante, sem partidos a partidarizar as questões e sem organizações por "crenças políticas" a fragmentar a comunidade.
Não há lideres, há apenas opiniões que se trocam e se aceitam, ou recusam, apenas pelo que valem para quem as pensa. 



As Redes Sociais são o mundo das opiniões, elas não são o futuro... elas já são o presente, vide a sua participação no caso da festa do Benfica, em 17 Maio e nos dias seguintes. Não foram os massmedia a criar opinião, foram as Redes Sociais a estruturar opinião, os massmedia participaram e as Instituições foram obrigadas a "acompanhar".

Os cidadãos agiram politicamente apesar de ser o seu período de 99% de defeso politico.

Porém, o fluir do diálogo no cyberespaço ainda tem vida curta, são relâmpagos que afectam e se apagam. Dias depois, a calmaria do abulismo político regressa. O choque do problema passou e o problema do futuro AINDA não fica como problema a perturbar o sossego dos 99% da fase "marionette".

Todavia, segundo os teóricos das Redes Sociais já se está a entrar na 2ª fase desta evolução democrática pois já existem casos em que o cyberespaço se uniu ao espaço público.
Nestes casos, o cair no esquecimento, ou seja, o regressar ao abulismo politico já não acontece com facilidade. As oligarquias de eleitos têm que começar a considerar este novo Actor democrático, a par dos tradicionais partidos e lobbies.

Como exemplo, o Movimento Occupy, em 15 Out 2011 englobou milhares de cidadãos em 951 cidades de 82 países, focalizando-se na justiça social e democracia verdadeira. Organizado sem partidos nem lideres só existiu mediante Redes Sociais e assembleias locais.


Na verdade, a comunicação nas Redes Sociais é diferente da comunicação nos lobbies do massmédia.

Nestes a regra é a de "um a muitos" e este "UM" controla o que dizer e como dizer mas, por sua vez, é também controlável. O seu factor dominante é a sua credibilidade no seu mercado, o  "ser de confiança" é a sua garantia. Serem de esquerda ou de direita, intelectuais ou populares, institucionais ou não, definem as fronteiras das suas adesões.

Segundo alguns autores existe uma certa preguiça mental em fazer validações pois se a origem é considerada credível então é verdade. Conhecida a opinião, ela é "automaticamente" verdadeira e defendida como tal. Esta forma de estar é o sustentáculo do abulismo político, sustenta-o e alimenta-se dele..

As Redes Sociais funcionam de modo diferente.

Nas Redes Sociais a comunicação é de "muitos a muitos", não há controlo nem lideres, quem lê tem que pensar o que significa e se é de confiar. A preguiça mental é fonte de balbúrdia mental, portanto aqui, não basta aceitar é preciso pensar e decidir o que faz. O diálogo torna-se mais importante que a decisão ou votação, ele é a base da validação, ou não, do que é afirmado. Os "q'ridos lideres" têm os dias contados.

Nas redes sociais não há credibilidade à priori, elas exigem um constante "o que penso disto?". O abúlico mental é uma espécie em extinção e, se ele desaparece, os 99% de abulismo político também têm que desaparecer.

Esta alteração parece já existir na sociedade portuguesa.
Segundo um estudo encomendado pela Presidência da República:




Talvez, a verdade seja que os jovens não querem saber DESTA política e DESTES partidos pois eles afastam-se disso e aproximam-se das Redes Sociais, por sua vez combatidas por alguns "intelectuais clássicos". Esta fractura é um sintoma deste bug.


Talvez a pergunta a fazer seja: -"De que é que eles nos estão a avisar?"

Talvez o julgamento apressado de que os jovens estão errados seja apenas uma desculpa para nós próprios (os adultos) termos por estarmos a construir este futuro para lhes deixarmos. Como diz um ditado antigo [... com as asneiras dos pais os filhos é que sofrem.]
Talvez os jovens não estejam errados, talvez sejam apenas lúcidos.


Continuação...

... a Democracia depende directamente da sociedade em que se insere, elas são inseparáveis. Assim, como continuação ter-se-á 0 5º post,... E a Sociedade?


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