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terça-feira, 14 de julho de 2015

...e a sociedade? Ainda é rentável?


Enquadramento

Um indivíduo isolado não faz democracia. A Democracia exige indivíduos com conexões entre si no formato "todos a todos", isto é, que constituam um grupo. O aumento de indivíduos por grupo aumenta exponencialmente a complexidade das relações possíveis. 


Quantidade de pessoas e relações no grupo
A Democracia política abrange grupos de milhares e milhões de indivíduos comunicando entre si, portanto a sua qualidade depende directamente do valor da sua estrutura comunicativa e esta depende directamente da época, da sociedade em que existe e dos instrumentos comunicativos disponíveis.

Assim, funcionarão hoje  os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas: 

√ Há alternativas?; 
√ Há efeitos perversos?; 
√ É rentável?



C - Ainda é rentável?

A questão da partilha

Um exemplo,

Imaginemos uma Câmara Municipal que, durante uma semana, faz uma feira e pretende muitas fotografias para divulgação e promoção.
Contrata vários fotógrafos profissionais, dá a cada um temas distintos, desde visitantes, gado, divertimentos, acessos, comidas,... até imprevistos como zaragatas, roubos, namoros, brincadeiras de crianças, etc, para poder seleccionar e divulgar.
Como apoio, monta um centro de coordenação com vários técnicos para ir verificando as fotografias obtidas, a quantidade, qualidade, temas e re-orientar os fotógrafos para o dia seguinte.
Como é óbvio, os custos organizacionais são elevados com salários, deslocações, eventuais estadias, material fotográfico, staff de apoio, etc.

Esta era a organização normal e rentável em épocas passadas mas, hoje, surgiu o Amador Profissional, o indivíduo possuidor de máquina com qualidade, com destreza e talento na sua utilização, motivação, disponibilidade e sentido da oportunidade, o que vai possibilitar uma organização diferente.

Na verdade, a sua diferença para o profissional tradicional não é a competência, eventualmente iguais, é a sua autonomia e autogestão. Por exemplo, a dita "liberdade de imprensa" na prática é a liberdade dos donos da imprensa, pois um jornalista só publica se a hierarquia do jornal quiser, porém um bloguista publica o quer quer, quando quer e como quer. O mesmo sucede com autores com os seus ebooks, músicos com seus clips, que publicam na internet e se libertam do controlo de editoras.

Um caso paradigmático foi em Itália, 2006, com o documentário da BBC, Sex crimes and the Vatican, referente a abusos sexuais de padres. O canal TV- RAI adquiriu os direitos para a sua emissão mas as hierarquias políticas, igreja e administradores não o permitiram. Um grupo de bloguistas subtitularam o documentário e publicaram na Internet que rapidamente teve milhões de visitas, apesar do jornal Avvenire da Conferência Italiana de Bispos o considerar uma calúnia. Dias depois a RAI difundiu o documentário.

A utilização de Amadores Profissionais com a sua característica de autonomia e autogestão permite utilizar um método alternativo ao tradicional para criar uma base de dados fotográficos e com custos baixos.
Assim, complementando a participação do cidadão Amador Profissional, Câmara Municipal pode oferecer um site na internet para recepção, difusão e partilha de todas as fotografias que para lá forem enviadas com o nome do autor e o tema. Depois, basta seleccionar as pretendidas para a revista, folhetos e posters da Câmara.

O anterior staff de coordenação é substituído pela arrumação automática com base nos temas. A promoção dinamiza-se por si própria por contaminação social (buzz-buzz) na família, amigos, emprego e até nas crianças e jovens que querem participar. O empowerment do cidadão, a sua destreza tecnológica e a sensibilidade fotográfica é solicitada e promovida.

Esta hipótese da utilização do fotógrafo amador profissional foi a proposta do Flickr, em 2005, na Parada da Sereia em Coney Island, NY, e foi um sucesso.

Na prática é apenas uma perspectiva diferente da dinâmica de grandes grupos. Tradicionalmente, na política (da esquerda à direita) os grandes grupos são dinamizados por staffs de controladores a orientar participantes enquadrados em estruturas e lideranças.

A alternativa trazida pelo século XXI baseia-se num sistema de auto-controlo e auto-coordenação que propõe decisões em autonomia. Aparecem novas realidades sociais impensáveis no século XIX por estarem fora dos limites conceptuais dos teóricos políticos da época e, portanto, não consideradas nos seus paradigmas e modelos.

Estas novas realidades podem ser resumidas por serem de auto-funcionamento e custos reduzidos e poderem englobar milhares de participantes por dia em dezenas de países e centenas de cidades em simultâneo, como no caso do Occupy:


Parece óbvio que não é possível pensar a Democracia de hoje utilizando paradigmas tradicionais, oriundos do século XIX, nos quais esta realidade pertencia à ficção científica. O problema é que, para os modelos em uso na democracia e partidos, esse funcionamento é utópico, recusado e impedido por alterar relações de poder.

Como exemplo actual, o Goggle permite auto-coordenar escrita colectiva com custos baixos e de alta eficácia. O documento é, em tempo real, lido, alterado e confirmado por várias pessoas pelo que, não só ninguém pode reivindicar ser o autor de uma linha escrita, como também ele tem a validação de todos.
Dantes, uma obra colectiva era constituída por capítulos, cada um de autor diferente, que eram depois encadernados em conjunto. Ser colectivo significava aceitação, do tema e equilíbrio da compilação, não significava escrita colectiva. Pelo contrário, no sistema Google, cada linha é da responsabilidade de todos e se um dos participantes não existisse todo o documento seria diferente.

Noutro exemplo semelhante, o "simples" Skype permite a cooperação e colaboração de vários técnicos no mesmo trabalho por auto-coordenação, mesmo estando em locais diferentes, apenas por sincronismo de horários, flexíveis em função de tarefas ou de condições pessoais. 
O processo por ser complementado por email de "um para todos", sistema que não precisa de sincronismo emissor-receptor e possibilita feedback instantâneo com as mesmas características.

Como exemplo, foi assim que foi escrito o e-paper (pdf) "Técnicas de Face-a-Face na Sensibilização Ambiental" em dez dias, tendo 64 páginas com texto, fotos e vídeos.
Os autores, situados em 3 cidades diferentes, nesse período nunca tiveram encontro face-a-face apesar de pertencerem à mesma empresa, colaboraram nos conteúdos, na escolha de fotos e vídeos, propondo, recusando, validando em tempo real o resultado que ia nascendo, desde as hipóteses de capa (alterada 5 vezes) ao seu conteúdo.

Como conclusão, neste momento a sociedade já está disponível e preparada para um novo tipo de coordenação em novos formatos de cooperação, colaboração e decisão colectiva, permitindo eficiência e eficácia com baixos custos organizacionais.


A questão da cooperação

Uma esmola não é uma partilha entre dador e pedinte pois não há troca entre ambos do tipo "toma lá... dá cá". Mesmo a compra ou venda de batatas que é uma troca "toma lá... dá cá" de dinheiro por tubérculos também não é partilha. A partilha implica um sistema de comunicação activo, criando uma teia relacional de sincronismo e confiança.
Uma dádiva-colecta e/ou uma dádiva-colecta reciproca de dinheiro, objectos, informação, serviços (por ex., ternura na prostituição), não significa necessariamente partilha.

Como exemplo, a entrega de alimentos ao Banco Alimentar, e deste aos pedintes, não é um sistema de partilha é apenas um fluir de dádivas-recolhas sucessivas entre duas classes lógicas, os "possedentes" com recursos e os "pedintes" sem recursos, através do facilitador, um intermediário que recebe dum lado e entrega do outro.

Tecnicamente, para a dádiva-recolha passar a partilha e a cooperação se iniciar é preciso que, a nível de conhecimento entre os indivíduos, aconteçam três etapas:

1º - todos sabem;
2º - todos sabem que todos sabem;
3º - todos sabem que todos os outros sabem... que eles sabem.

Esta sucessão provoca o nascimento da confiança. Como exemplo, uma relação pai-filho, ou marido-mulher,  é muito diferente se é do tipo "eu sei que tu sabes e tu sabes que eu sei" ou, em alternativa, "eu sei que tu sabes mas tu não sabes que eu sei", os dois níveis de confiança criados são diferentes.

Porém, convém realçar que apesar desta evolução ser condição necessária para construir confiança grupal não é condição suficiente, como se provou no caso de Kitty Genovese, em 13 Mar 1964,


Kitty Genovese foi atacada duas vezes seguidas, violada e morta na presença de 38 cidadãos do bairro Queens, NY, que observaram o acontecimento de sua janela e nenhum chamou a policia, ou a ajudou
Este caso tem sido muito estudado procurando entender o que se passou e foi originar várias teorias entre elas a "síndrome genovese", o "efeito observador", a "inacção por difusão de responsabilidade", etc.

Numa perspectiva grupal, todos sabiam o que se passava e "todos sabiam que os outros sabiam que eles sabiam", simplesmente essa igualdade foi obtida por uma simples recolha individual de informação que nunca partilharam entre si, nem criaram redes de confiança. Assim, eram simplesmente uma classe lógica feita de observadores individuais isolados entre si, muito afastados de um fenómeno grupal.

Posteriormente, quando estas testemunhas foram inquiridas, concluiu-se que o facto de "todos saberem que os outros sabiam" tornou-os confiantes de que alguém chamaria a polícia e, portanto, nenhum chamou. É apenas um efeito perverso de um condição positiva necessária.

De facto, a condição necessária de todos saberem que todos sabem estava realizada, mas não era suficiente. A teia grupal de confiança não existia, na verdade eles não eram confiantes uns nos outros eram apenas crédulos uns nos outros.
A confiança exige condições reais de sustentação que eles não tinham, ela não pode ser baseada em pura crendice como, por ex., estratégias de campanhas políticas que jogam com a credibilidade dos crédulos.

A missionação cultural e política, os comícios, os discursos, a TV e os jornais não são partilha informativa são dádivas-recolhas informativas. Elas vão provocar o saber que todos sabem e criar a condição necessária para o grupo existir mas não são suficientes para criar redes de sincronismo e confiança imprescindíveis na Democracia. O exemplo do escândalo de Boston, apresentado a seguir, permite aprofundar esta diferença.

A questão da colaboração


Padre John Geoghan
Desde 1950 que, diversas notícias sobre a pedofilia do Padre John Geoghan, são difundidas no massmédia.
Todavia depois dos escândalos, a acção habitual é ele ser retirado de uma paróquias e nomeado para outra. Como exemplo, em 1984, foi nomeado pelo Cardeal Bernard Law para a paróquia St. Julia, Weston, depois doutro escâdalo.

Esta estratégia é a normalmente seguida nestes casos, quer sejam de pedofilia quer de agressões policiais ou escolares, abusos, incompetência por alcoolismo, etc, pois o padrão é aplicar uma solução para abafar o escândalo e deixar o problema como está.

O interessante é que este padrão é encontrado nas estruturas organizacionais, nas hierárquicas, sindicais, de classe e até nos próprios colegas que sabendo o que se passa, olham para o lado, alegando lealdade profissional. 
Parece ser mais importante esconder o escândalo e "desconhecer" o facto do que assumir a responsabilidade de resolver o problema nas suas consequências e afastar a pessoa da função e apoiar o seu tratamento.
Esta posição pessoal só se altera quando é o próprio filho a ser mal operado ou morrer na queda do avião por alcoolismo de técnicos ou a ficar em coma por maus tratos policiais ou escolares. 

No caso de Boston, a pedofilia do Padre John Geoghan sobreviveu, durante 34 anos, 6 paróquias, 130 crianças molestadas pois, apesar das crises, sempre se "olhou para o lado" com a estratégia de "resolver o escândalo e não o problema".
A situação tem a mesma matriz da morte de Kitty Genovese onde "todos sabiam que todos sabiam o que se passava" e tudo continuou na mesma.

Porém no início de 2002, o Boston Globe publica um artigo em duas partes sobre a vida do Padre John Geoghan que agitou a comunidade. Algumas semanas depois, numa noite de Janeiro, 30 paroquiantes juntam-se na cave de uma Igreja e dão inicio ao VOTF - Voice Of The Faithful

Algumas semanas depois são centenas e em Julho fazem a 1ª convenção com perto de 5.000 membros, alguns dos quais de fora de Boston. O crescimento continua e em 2004 têm perto de 25.000 membros e está em 20 Países. Em 2002, o Padre John Geoghan é julgado e preso e, em Dezembro, o Cardeal Bernard Law viaja até Roma e renúncia, renúncia essa que o Papa João Paulo II aceitou.

É vulgar e normal o nascimento e desenvolvimento da VOTFO que é extraordinário é o seu crescimento duplicando quase todas as semanas, sem estruturas, sem lideres e sem comando centralizado. A taxa de crescimento é anormal pois passar de 30 para 5.000 são 15.000% em 6 meses e para 25.000 são 80.000% em 2 anos. 

Nas Democracias do século XIX isto era impossível e nas Democracias do século XX implicava custos organizacionais, estruturas, hierarquias e lideranças muito dispendiosas em dinheiro, esforços, tempo e coordenação, difíceis de implementar em 4/5 meses com um ritmo de crescimento tão elevado.
O que se passou?

Com o slogan "Keep the Faith, Change the Church" era claro que o movimento não se satisfaria apenas com, pontualmente, expressar e resolver o ultraje, queriam ir mais fundo, queriam mudanças estruturais. 
A ousadia dessa intenção era grande. Laicos a quererem intervir na gestão da hierarquia da Igreja nunca tinha acontecido nos seus milhares de anos de existência apesar de, em 1960, o Concílio Vaticano II ter declarado que a Igreja era composta por padres e paroquianos. Todavia, em 2002 isso aconteceu, o Padre Geoghan é preso e o Cardeal Law renúncia.

A situação mudou em 2002 porque o email, redes sociais, internet e weblogs partilharam a informação e fizeram colaboração sem precisar de comando central, enquadramentos e estruturas de apoio de grande volume.

Nestes modelos a sua base é a criação de núcleos locais de amigos, colegas e conhecidos que funcionam em autonomia colaborativa e se expandem com facilidade e rapidez, simultaneamente em muitos locais. O interessante é que não ficam "afiliados" localmente mas, conhecendo as redes, conectam-se onde querem, com quem querem e quando querem. Numa palavra, a sua afiliação é com a internet e não com estruturas locais ou centrais. Modelo diferente do actual sistema partidário.

Sob o ponto de vista da difusão e crescimento, redes de apoio e redes de crítica tem o mesmo efeito, difundem e acrescentam factos, outras histórias, outros argumentos. Posições são assumidas e mais redes são constituídas. 
O jogo de comentários pró e contra nos jornais online não tem o mesmo efeito, pois o jornal funciona como comando central canibalizando para si as comunicações. É uma espécie de "hub" ("aeroporto") onde chegam e partem notícias e quem controla o "hub" controla a difusão. Nas redes o modelo não é "muitos-a-UM" e também "UM-a-muitos" mas sim "muitos-a-muitos".

No caso de jornais essa difusão-recepção não passará a rede excepto se se libertarem do "hub" (jornal) e se conectarem directamente, passando a ser "muitos-a muitos".

Isto aconteceu com a rede que detonou a Airline Passengers'Bill of Rights sobre os apoios a passageiros em aeroportos quando há longos atrasos.
Kate Hanni depois de ter sofrido um caso desses, em 2007 viu num jornal de Austin um artigo sobre atrasos de voos, comentou dando pormenores e no fim acrescentou "Anyone from this flight please contact me".

Houve vários contactos inclusive oferecendo-se para fazerem outros contactos e, assim, nasceu a rede. Desenvolveu-se,  conectou-se com redes de agências de viagens, outros problemas se agregaram tais como voos superlotados, má assistência a bordo, etc, e a Airline Passengers'Bill of Rights começou a definir-se.
A saída do "hub" do jornal, com seus comentários sucessivos, foi o factor crítico de sucesso para se transformar numa rede com o objectivo de criar o Airline Passengers'Bill of Rights.


Conclusão

Por um lado, existe uma Democracia baseada num modelo militar de cariz democrático, do tipo "elege-me e obedece-me", feita de estruturas de enquadramento recheada de grandes e pequenos "Q'ridos lideres", ordens, hierarquia, disciplina partidária, migalhas de informação e confiança baseada em crendice.
Por outro lado, surgem movimentos e organizações com outro estilo, sem lideres nem estruturas de enquadramento, com autonomia e criatividade, baseados em autogestão e auto-colaboração, e com resultados significativos.
A sua eficácia é um crescimento possível de 15.000% em 6 meses (VOTF) o que no século XIX seria um milagre.

Este funcionamento já existe na sociedade, por ex., VOTF, Occuppy, estudantes na Bielorussia com o método smartmobChina, etc, e nas empresas, por ex., Pixar com o trabalho em rede. Os seus suportes tecno-sociais são telemóveis, Internet, redes sociais, fotos, vídeos e empowerment do cidadão, suportes esses que continuam a crescer e inovar mesmo em sociedades repressivas à revelia das políticas impeditivas.
É preciso não esquecer que revoluções e evoluções sociais, não são novas tecnologias, nem novas estruturas, são novos comportamentos e estes brotam por todos os lados.

Neste século XXI já há diversos métodos, mas a base é a mesma, é o Scenius, ou gestão pelo contexto, em substituição do Genius, ou gestão pelo "iluminado" vulgo "Q'rido líder". 

Numa metáfora poderá dizer-se que Scenius é a liderança do agricultor que prepara a terra, lança a semente mas, daí em diante, é a semente que tem o controlo e toma decisões descentralizadas. Ela fica em autogestão, cresce, desenvolve-se e dá frutos sempre em sintonia e equilíbrio com o contexto. Não dependente de "ordens" do agricultor... e quando este o tenta, isso é negociado e ela tem sempre a última decisão de "fazer ou não fazer".

Os novos comportamentos
aparecem e crescem por todo o lado.
Continuação...

... a Democracia depende directamente da sociedade e esta dos seus cidadãos que, com as decisões que tomam, trazem o futuro consigo. Assim, como continuação ter-se-á o 9º post "Nos indecisos está o futuro".

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No princípio era o caos
A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia

quarta-feira, 8 de julho de 2015

...e a sociedade? 
Há efeitos perversos?


Enquadramento

Um indivíduo isolado não faz democracia. A Democracia exige indivíduos com conexões entre si no formato "todos a todos", isto é, que constituam um grupo. O aumento de indivíduos por grupo aumenta exponencialmente a complexidade das relações possíveis. 


Quantidade de pessoas e relações no grupo
A Democracia política abrange grupos de milhares e milhões de indivíduos comunicando entre si, portanto a sua qualidade depende directamente do valor da sua estrutura comunicativa e esta depende directamente da época, da sociedade em que existe e dos instrumentos comunicativos disponíveis.

Assim, funcionarão hoje  os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas: 

√ Há alternativas?; 
√ Há efeitos perversos?; 
√ É rentável?



B - Há efeitos perversos?

O Biólogo Garrett Hardin relata uma situação em que os membros de um grupo têm incentivos para estragar-delapidar os bens comuns em proveito pessoal, a que chama a "Tragédia dos Comuns":

Imagine-se um grupo de agricultores cada um com um rebanho de ovelhas e um pasto de propriedade colectiva para as alimentar. Para evitar delapidar o pasto, alternativa em que todos perdem, por comum acordo definem e aceitam a regra de cada um ter só "X" horas/dia de pastoreio por local disponível.
Como as ovelhas são vendidas no mercado, estão sujeitos ao preço de compra por quilo que é mais elevado para as mais gordas.

Assim, o compromisso assumido de limitar o pastoreio limita também o número de ovelhas por rebanho e a sua engorda, limitando o lucro possível. 
Perante o dilema cada agricultor tem duas escolhas:

√ cumprir o acordo, protegendo o bem comum; ou
√ fugir ao acordo, protegendo o bem individual.

A escolha de potenciar o bem individual parece simples e imediata. É do tipo "sou só eu entre todos" a não cumprir rigorosamente o acordo feito e provocando "ligeiros prejuízos" aos outros. Moralmente a "maldade" não é grande e, economicamente, o prejuízo é desprezável para cada um e significativo o próprio. 

Porém, no plano grupal provoca-se uma ruptura importante na identidade, pois a credibilidade e a confiança da teia grupal desaparece e é percorrida pelo vírus "se ele faz,  porque é que EU não faço??". E assim, gradualmente, mais indivíduos vão fazendo o mesmo, deteriorando-se o grupo.

Passado algum tempo, surge a crise com o pasto parcialmente deteriorado e, cada vez mais, menos recuperado o vigor. O conflito espreita. Que fazer?

Se nada se faz, o vírus modifica-se e passa a ser do tipo "se ele não cumpre EU também não cumpro!". A crise torna-se galopante, a fraude aos compromissos passa a ser regra, a degradação instala-se em direcção à morte rápida. O resultado é óbvio, há agricultores-predadores que estão ricos com dinheiro e sem ovelhas, a par de agricultores-cumpridores que estão pobres sem dinheiro e sem ovelhas.

Com este processo nasceu uma nova identidade grupal, os predadores do comum que vivem clandestinamente e se espalham, inserindo-se noutros grupos, repetindo o processo. A epidemia alastra, a sociedade fica cancerosa.

Para intervir neste processo, há duas as soluções tradicionais adoptadas. Uma é privatização do pasto, a outra é a penalização dos predadores.

Porém, estas duas soluções são paradoxais pois criam efeitos colaterais perversos do tipo "pior a emenda que o soneto". Na verdade, na situação descrita, há duas entidades em jogo, os indivíduos predadores e o grupo, e não convém confundi-los nem esquecê-los nas soluções a adoptar.
Para efeitos de diagnóstico, há uma regra para perceber se a causa é individual ou grupal. Exemplo: 

Numa organização com 1% de absentismo, a causa do problema pode ser individual mas, se houver 50% de absentismo a causa será organizacional. Ou seja, o aumento quantitativo de um fenómeno muda qualitativamente a sua causa que passa de individual a grupal. A lógica grupal diz que quando existe uma grande quantidade de indivíduos com o mesmo comportamento, ele deve ser causado por resposta a estimulações contextuais, a chamada Lei da Situação (ver à frente).

Assim, convém analisar as soluções tradicionais da "Tragédia dos Comuns" nesta perspectiva.

privatização do pasto não resolve o problema, apenas vai destruir o grupo que o tem.  Na verdade, se o objecto comum desaparece, desaparecem as decisões colectivas sobre ele, assim como as acções grupais correspondentes, pelo que o grupo se dilui por desnecessário.

Quando esta solução é adoptada em certos grupos (ex. gangs de rua, USA) pode acontecer que o mesmo problema vá reaparecer algures com o mesmo grupo ou com vários dele renascidos. O problema não desapareceu apenas se multiplicou.

Por outro lado, a penalização do predador vai enfraquecer a teia grupal pois desvaloriza-a como válida para compromissos de confiança. Este aspecto torna-se claro se se perguntar "depois da coerção, o predador continua ou não membro do grupo?". 

Se a resposta for "sim", o grupo fica com teias de compromisso e confiança inseguras e é um grupo doente, não válido. Se é "não", a pertença ao grupo não é de confiança ficando com sub-grupos sem credibilidade mútua, vivendo de compromissos e promessas sem valor. O clima é de insegurança , do tipo "quem é o próximo?" e "o que irá acontecer?".

Este problema é bem analisado nos estudos sociológicos sobre gangs de rua nos USA, onde o abandono do compromisso, ou do próprio gang, é um dos problemas mais sérios e conturbados da sua gestão interna, pelos efeitos colaterais de perda de cumplicidade e lutas internas.

Na política sucede o mesmo pois, a par das visões e soluções económicas, é fundamental ver possíveis  consequências por ruptura das teias grupais e destruição do conjunto. Quando a solução é de expulsão, a chamada "união resultante" é apenas compressão grupal por asilamento, cheio de fracturas internas. A solução tem assim que conciliar a visão económica com a visão grupal.

Aplicando esta problemática ao actual modelo da Democracia, verifica-se que este ao fragilizar o grupo vai consentir o aparecimento de predadores e também serem considerados como um faits divers normal na vida política. De facto, se o grupo não existe, então por exemplo, promessas eleitorais não cumpridas não são um problema sério, serão apenas queixas individuais sem repercussão.

Assim, socialmente, o não-cumprimento e a arresponsabilidade consideram-se negativos, criticam-se mas consentem-se e tudo se repete a coberto do uso banalizado do "Eu não me lembro",  criando um clima de "laisser faire, laissez passer".


A situação retratada no vídeo é um problema da PT, da Comissão de Inquérito, da Assembleia da República ou, realmente, da Democracia Portuguesa? Estas respostas são imagináveis se questionado pelo "patrão"? Nesta perspectiva, poder-se-á perguntar se um modelo de "laisser faire, laissez passer" terá, ou não, consequências na democracia?  Ou será apenas um problema moral ou ético afectando alguns indivíduos?

Em resumo, a "Tragédia dos comuns" é o retrato deste bug da Democracia, não só no seu efeito perverso, como nos efeitos perversos de soluções "lógicas" mas sistemicamente erradas.

Porém, à história dos agricultores falta colocar ainda uma outra questão, referente aos normais multi-papéis sociais que cada indivíduo tem numa sociedade, visto pertencer simultaneamente a vários grupos:


Portanto, a questão é saber se "aqueles agricultores têm mais actividades em comum?"

Se têm, a sua participação noutros grupos leva consigo a experiência de defraudar nos compromissos assumidos. Assim, qual será a credibilidade e a confiança que existirão nesses grupos em relação a promessas assumidas? Os acordos serão de confiar?



A conclusão a tirar deste discurso de António Costa é que promessas feitas na Democracia podem não ser cumpridas e não terem consequências de maior. Assim, A.C. confirma que esse não-cumprimento é habitual mas que ele vai ser excepção pois não ter críticas. Numa palavra, pode não cumprir mas quer cumprir.

Este caso levanta a questão se a Democracia depende da seriedade do candidato ou de uma estrutura que garanta a confiança do cidadão.

Por exemplo, a polícia não bate nos cidadãos porque é uma polícia "boa" ou porque a Democracia não o consente, por ser ilegal e crime? A segurança do cidadão tem que estar alicerçada na garantia das estruturas democráticas qualquer que seja a área, violência domestica, castigos escolares corporais, abuso de poder, tortura, etc

Repare-se que, paradoxalmente e dentro da Democracia, a situação de cumprir por não querer críticas é impensável no mundo dos negócios. Comprar uma casa com crédito bancário e dizer que pagará porque não quer críticas nem para humor serve, mas serve para um discurso político. As promessas de negócio são para cumprir, não o fazer é um problema de tribunal. Os negócios não funcionam com "laisser faire, laissez passer".

Como resumo-conclusão, quando o problema é grupal tem que haver lucidez para solucionar a estrutura e reforçar a coesão grupal e não apenas, de forma míope, fazer uma solução individual. Os efeitos perversos de "qual será o seguinte?" ficarão donos da situação. O fundamental é tirar os bugs da estrutura.

Nesta perspectiva, existem dois conceitos importantes para apoio, clarificação e construção de soluções, que são a Lei da Situação e a Exteligência.

Em síntese, a Lei da Situação diz que nela há sempre um campo de forças que condiciona, formata e desformata comportamentos. Alterando a situação (consciente ou inconscientemente) a sua lógica altera-se e assim diagnósticos, decisões e acções transformam-se e a mudança positiva ou negativa torna-se presente, realizando-se ou não em função do equilíbrio de forças criado. 

Exteligência é a "inteligência" existente no contexto envolvente com a qual a vida e a sua inteligência inter-agem adaptando-se por modificar, adquirir ou abandonar comportamentos: 

Contexto (exteligência) dá inovação (inteligência)
Por exemplo, indivíduos que guiam carroças, carros ou aviões têm rapidez, precisão e hábitos psicomotores diferentes, sucedendo o mesmo com os grupos pois contextos ameaçadores ou alegres alteram redes de sincronismo e os actos de uma multidão.

Com base nestes dois conceitos, a metodologia a usar é procurar a lógica das forças em jogo na situação (campo de forças), os seus fluxogramas, e definir alterações para que o campo de forças se altere e a lógica seja outra, "exigindo" outra solução. Exemplo:

Um padre pergunta ao bispo se quando reza pode fumar.
O Bispo diz NÃO porque rezar não pode ser perturbado com actos mundanos.

Tempo depois,

O padre pergunta ao bispo se quando fuma pode rezar.
O Bispo diz SIM porque em qualquer acto quotidiano deve-se rezar.

Outro contexto, outra lógica, outra decisão, outro comportamento.


Conclusão

Na democracia, os problemas têm sempre dois níveis:

√  os cidadãos envolvidos, o que é uma questão dos indivíduos;
√  a Lei da Situação em vigor, o que é uma questão da Democracia.

O bug actual resulta da ruptura entre a versão do modelo usado na Democracia que não só está desadaptado como não potencia as actuais condições culturais e tecnológicas. Hoje é possível e desejável aumentar eficácia democrática dos cidadãos e seus grupos de funcionamento, em particular a organização partidária com outros formatos hoje possíveis.

Por muito complexo que seja o problema de um Banco, de um confronto, ou de uma escola, etc, sob o ponto de vista da Democracia, as questões de validação são duas: 

- "Como consequência do problema, o que foi alterado na Democracia para que, no futuro, isso não torne a acontecer?"

- "Se nada foi feito porque é que o problema está esquecido na memória democrática? Como se activa essa memória para criar condições de confiança no futuro?"


Continuação...

... ... com o 8º post, continuam as respostas, agora à 3ª pergunta, ou seja, "A sociedade? É rentável? "

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No princípio era o caos
A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia

quarta-feira, 1 de julho de 2015

...e a sociedade? Alternativas pós-tradição

Enquadramento

Um indivíduo isolado não faz democracia. A Democracia exige indivíduos com conexões entre si no formato "todos a todos", isto é, que constituam um grupo. O aumento de indivíduos por grupo aumenta exponencialmente a complexidade das relações possíveis. 


Quantidade de pessoas e relações no grupo
A Democracia política abrange grupos de milhares e milhões de indivíduos comunicando entre si, portanto a sua qualidade depende directamente do valor da sua estrutura comunicativa e esta depende directamente da época, da sociedade em que existe e dos instrumentos comunicativos disponíveis.

Assim, funcionarão hoje os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas: 
√ Há alternativas?; 
√ Há efeitos perversos?; 
√ É rentável?


A Tradição

Quando a sociedade e seus instrumentos comunicativos evoluem a Democracia também tem que evoluir sob o risco de convulsões desadaptativas entre o modelo instalado e o querer dos cidadãos, seus participantes.

A Democracia está instalada nos grupos sociais pelo que a sua evolução é dependente do que acontece à vida grupal. Um grupo nasce e desenvolve-se em torno de 5 níveis de maturação que exigem sucessivamente cada vez mais energia e esforços comunicativos e vão dando origem a características novas. São eles: 

 participação
 partilha
 cooperação
 colaboração
 acção colectiva

O modelo democrático herdado do século XIX, com o seu formato institucional, centra-se apenas nos dois primeiros níveis e limita os seguintes a poucos sub-grupos específicos, para se poder adaptar às condições tecnológicas e socio-culturais então existentes.

Implantação da República, Lisboa 5 Maio 1910,
aqueles cujos nomes não ficaram na História
Isto quer dizer que nos grandes grupos políticos a maior parte dos cidadãos funcionam como cidadãos de 2ª com funções bem determinadas e sazonais.
Como exemplo, a votação de 4 em 4 anos, distribuição de informação (colar cartazes, distribuir panfletos, guiar carros com altifalantes,...), presença em manifestações de apoio ou contestação para marketing de pressão,... e, claro, contribuição monetária que, se é a estatutária, significa recursos de funcionamento mas, se é extra e volumosa, significa pressão a possíveis desejadas orientações ou, na gíria, discretamente chamados os "grandes apoiantes".

No século XXI, a par da evolução dos instrumentos comunicativos, deu-se o empowerment do cidadão tornando difícil a posição de cidadão de 2ª, agora discretamente chamados "sociedade civil", isto é, aqueles que assistem ao trabalho dos que têm a profissão de políticos, às vezes em part-time e não necessariamente profissionais.

Em termos técnicos este bug baseia-se na "pobreza" da maturação dos grupos participantes na Democracia. Dos 5 níveis atrás citados, os três últimos (cooperação, colaboração, acção colectiva) não alcançam a generalização, desenvolvimento e potenciação possíveis, portanto, o modelo democrático em uso está desadaptado da realidade do cidadão e da sociedade actual, bastante diferente da existente quando foi criado.
Hoje a Democracia pode evoluir para modelos mais eficientes e eficazes que respondam às novas condições e necessidades.

Deste modo, o questionamento do modelo tradicional herdado, e em uso, vai ser feito por respostas a três perguntas:

1ª Ainda é rentável?
2ª Tem efeitos perversos?
3ª Há alternativas?

Começando pela ordem inversa, ver-se-á primeiro as possibilidades e depois os problemas.


Há alternativas?

O processo normal de formação de grupos (forming) quando subordinada a enquadramento formal  desenvolve-se sucessivamente do 1º ao 5º nível, consumindo tempo, energia e esforços nesse percurso. No mínimo, começa por participar de corpo presente, assistindo e ouvindo, e acaba por construir e aceitar como sua a decisão colectiva e age em concordância. Um percurso em cinco etapas desde o simples participar à complexidade do compromisso e da responsabilidade grupal.

Todavia, este percurso pode ser simplificado em grupos pequenos, isto é, começar do 1º e passar logo ao 5º, num curto-circuito das etapas intermédias que poderão depois existir, ou não, tal como sucedeu em Maio-68 com a dinâmica dos grupúsculos.

Exemplo

Não vivi Maio-68, mas tive uma experiência semelhante no Chile, em Maio de 1994, onde vivi a passagem directa do 1º ao 5º nível de maturação grupal sem intervenção de qualquer instituição ou organização exterior. 

Depois de um trabalho em Talcahuano, no Sul do Chile, aquando do regresso a Lisboa, decidi passar mais de uma semana deambulando por Santiago e arredores, sozinho, sem plano e sem destino, aproveitando imprevistos, um pouco ao estilo on the road de Jack Kerouac. 

Sempre me senti integrado nas ruas cheias de vida, com comunicações soltas, fáceis e agradáveis, principalmente nas divertidas conversas em português e espanhol (que não falo).

Um dia, ao andar na rua, senti que tudo estava diferente, a cidade estava triste e com ar de enterro, caras fechadas, músicas e cantares tinham desaparecido das zonas populares. Muitos homens levavam uma flor na mão. Não percebi nada do que se passava e pela primeira vez senti-me sozinho e isolado.

Relembrando filhos perdidos no tempo de Pinochet
Em determinada altura, junto de um grupo estilo "vizinhança", parei e, sem dar por isso, comecei a participar observando e partilhando uma tristeza que não sabia a origem. Um "avô" disse-me "Olá" e falou-me em espanhol, respondi-lhe em português dizendo que percebia espanhol mas não falava. Senti-me acolhido e perguntei o que estava acontecendo.

Fiquei a saber que era o "dia das mães" e que os homens levavam uma flor para casa, para a mãe ou para a mulher, em lembrança de filhos perdidos no tempo de Pinochet.  Recordo-me que comprei uma flor, das que vendiam baratas por todo o lado, e a entreguei a uma "avó" desse grupo.

Hoje percebo que, naturalmente, passei do 1º para o 5º nível de inserção grupal ao assumir, como minha, a decisão colectiva de protesto afectivo contra Pinochet, ficando cúmplice e comprometido com essa posição.
Se houvesse risco de prisão (que não havia) eu inconscientemente tinha aceite o risco de participar no protesto contra Pinochet. Esta integração-aceitação aceitando riscos sucedia em Maio 68 com processos grupais semelhantes:

Paris, Maio-68
O interessante é que hoje reconheço que vivi depois as etapas 2º, 3º e 4º, pois acabei por jantar com o grupo numa "tasca" de bairro, com partilha, cooperação e colaboração nas acções colectivas dos rituais alimentação, informação e pertença grupal. Não sei quem eram e nunca mais os encontrei.

É esta naturalidade e facilidade de criar maturação grupal que hoje está acontecendo em grandes grupos devido aos novos instrumentos comunicativos, redes sociais, telemoveis, fotos e vídeos, etc, e permitem, por exemplo, que o movimento Occupy aconteça, em 15 Out 2011 com milhares de pessoas, em 951 cidades de 82 países, com custos organizacionais quase nulos.

Funcionamento grupal

Os grupos funcionam através de redes de comunicação cuja plena eficácia necessita das cinco etapas de maturação atrás citadas.

Não só os instrumentos comunicativos têm grande diferença entre o século XIX e o século XXI como também o empowerment do cidadão, pois o seu nível cultural e activismo politico são muito superiores à dos seus antepassados do início da Democracia. Por outro lado, os participantes políticos passaram de alguns milhares para milhões. 

O mundo mudou, a época é outra. O que, nos séculos passados, era um grupo grande hoje é considerado um grupo médio, o que politicamente era participar hoje é ser mero espectador, o que era colaborar ao dizer "SIM" hoje não é suficiente, pois colaborar é fazer parte da construção do "SIM".

Estas diferenças vão-se maturando e consolidando na sua eficiência e eficácia ao longo dos estadios da evolução grupal. Em épocas anteriores estas transformações não eram possíveis em grupos grandes mas, hoje, o desenvolvimento tecnológico na área da comunicação e a potenciação educativa no seu uso tornam espontâneo essas transformações sem necessitar de estruturas formais (lideres, normas, recursos...) a enquadrar.

Fases do funcionamento grupal

As suas cinco fases são:

 Participar

O grupo começa com pessoas a participar e participar é agregar, é "estar em...", estar no aqui-agora que acontece. Porém, se não passar desta fase, trata-se apenas de dispêndio de energia no reconhecimento mútuo e pode acabar tão facilmente como começou.
O seu comportamento mais vulgar é ouvir. Os comícios são mecanismos sociais de participação por audição que, se não passarem daí, têm efeito débil e sem consequências, daí a função dos grupúsculos em Maio 68, criando o despoletar das fases seguintes.

  Partilhar

O estadio seguinte é a partilha que necessita de um maior gasto energético ao efectuar trocas e que, na gíria, é conhecida pela fase do "toma lá...dá cá".
A partilha de informação e benesses é a forma mais usual. Porém, este estadio deve criar a ligação para as redes de conexão pessoal logo, na prática, funciona como detonador (trigger) de "clubes" (gangs) para desenvolvimento posterior.
Se por desvio cultural for usado para recrutar membros para lobbies destinados à luta do poder, as fases seguintes são contaminadas por bugs negativos, facilitadores das lutas internas habituais nos grandes grupos.

 Cooperar

Com a cooperação inicia-se a mutação das pessoas juntas na entidade grupo.
A cooperação é mais que partilha pois implica alterações comportamentais para sincronismo mútuo. Cooperar é adaptar-se e impor adaptações, é a fase da "co-acção & coacção", marca o arranque da identidade grupal, dá origem a diversos sinais de pertença desde a linguagem a vestuário, estilo de alimentação, hobbies, etc. 

Como exemplo, dar uma esmola é partilha mas não é sincronização de comportamento, logo não é cooperação, não forma grupo, não cria identidade comportamental entre o dador e o pedinte.
Porém, num estaleiro naval, um engenheiro do planeamento é um gravatinha, (fato e gravata) e outro engenheiro das oficinas/navios é um ganguinha (jeans e blusão). A identidade grupal cria "colagens" no vestuário, modificações comportamentais e de linguagem e até nos restaurantes frequentados na zona, mais estilo roast beef ou cozido à portuguesa. Distinguem-se ao longe.

 Colaborar

colaboração marca o parto do grupo. Ela introduz um outro elemento, muito mais exigente em energia e esforços que é o resultado a obter, pois a necessidade e o compromisso da sua realização implicam decisões colectivas, isto é, actos a executar com consequências colectivas.

Se este processo se faz com o estilo "yes man" o grupo morre à nascença, logo no parto. Para tal não acontecer, a fase tem que ser rica em opções pessoais com diálogos de sincronismo, recheada de opções, umas de abandono e outras de confirmação para viabilidade do resultado.
A garantia de que ninguém "ficará com os louros" da sua realização e a consciência de que sem todos não é possível, fortalece o compromisso mútuo e a cumplicidade.
Esta etapa é crucial nos rituais de constituição de equipas, na gíria é "não há heróis todos são heróis".

 Agir colectivo

Por fim, a acção colectiva é a consolidação do grupo. Ela introduz responsabilidade colectiva interna e externa. "Cola" a decisão individual e a decisão colectiva como mutuamente interdependentes, reforça o compromisso e a cumplicidade.
Re-editando Descartes com o seu "Penso logo existo" aqui, na vida grupal, dir-se-ia "Faço junto, logo existo". Esta prática de "Faço junto, logo existo" é uma das técnicas mais usadas e marcantes na constituição de equipas de risco e interdependência (militares, socorro, etc)

Como exemplo de evolução grupal,

Num organismo público, 2 grupos de 40 funcionários, por opção pessoal, participaram, cada um, durante 1 dia numa wokshop de melhoria da motivação organizacional, cuja base era "inventar soluções mas fora de motivações monetárias".

Na fase cooperação, foi possível obter por criatividade, no formato co-acção estruturada, 42 propostas de ideias para projectos. Na fase seguinte, colaboração, por decisões colectivas a nível de todo o grupo foram seleccionadas 12 para darem origem a projectos. Na última fase, acções colectivasos projectos foram definidos e estruturados pelo grupo com base num modelo de startup, contendo os items objecto, objectivos, benefícios, resultados, descrição e avaliação com 2 critérios, previsibilidade de resultados e dificuldades.

No fim do dia, o grupo apresentou, sob forma manuscrita, o plano de cada projecto seleccionado, tendo sido posteriormente dactilografados:


A base da maturação grupal foi que ninguém conseguiria definir a autoria de qualquer projecto e seu conteúdo, apenas podiam saber que todos tinham contribuído. Não existiram recusas ao resultado optado mas apenas adesões de maior-menor intensidade. Para a sua realização todos manifestaram interesse na sua execução e responsabilidade com disponibilidade para esforços, se bem que de intensidade variável por motivos pessoais.

Conclusão

O modelo de partido herdado do século XIX, com seus bugs, não possibilita à grande maioria dos seus membros passar da 2ª fase.
Alguns, aqueles que trabalham em tarefas sazonais (eleições, festas, comícios, colar cartazes, etc)  podem entrar na 3ª fase da cooperação mas normalmente com o estilo "empregado", isto é, com áreas parciais, curtas e temporárias (short action) de tarefas a executar, a conhecida "mão-de-obra-politica" nos zum-zuns do grupo dos profissionais políticos.

As 4ª e 5ª fases acontecem raramente e, mesmo nas empresas, quando acontecem por razões de eficácia, não se expandem para a cultura organizacional, excepto em poucos casos tipo Pixar e Edwin Catmull que provam que o método e o modelo já existem e funciona.

Só falta os partidos serem contaminados e o seu formato ser transformado, sendo de realçar que já há diversos sintomas da sua desadaptação, só não vê quem não quer.

Na prática, tudo começa com indivíduos que são apenas "sombras no asfalto", isto é, não existem uns para os outros, depois passam a ser "pessoas com rosto", estabelecem conexões e constroem uma rede comunicativa que mesmo desligada está em standby.
O grupo nasce pelo que o partido deixa de ser feito com "alguns primeiros entre os iguais" e passa a ser feito com "todos iguais e todos primeiros" como diz a Democracia, o segredo não é enquadrar bem  é conectar bem.

§


Continuação...

... com o 7º post, continuam as respostas, agora à 2ª pergunta, ou seja, "A sociedade? Há efeitos perversos?"



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Indice do Blog
(com links para os posts já publicados)

No princípio era o caos
A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia